segunda-feira, junho 01, 2009

a culpa e o medo.

ontem de manhã, pelas 7h40, bem instalado na poltrona, eu comia um sanduíche enquanto olhava pras ondas imóveis no mar. gigantescas formações de espuma branca praticamente imóveis. pelo menos é isso que as ondas parecem quando tu está olhando pela janela, a 30 mil pés de altitude. era o quarto avião em uma semana, o último do trajeto POA-SP-POA que eu fiz duas vezes.

a decolagem em guarulhos foi algo. de dentro do avião, na pista, eu olhava os outros aviões. um A320 da TAM e um gigante 747 da british airways, ambos se dirigindo pra decolagem. o legal de taxiar com o avião é que, de dentro dele, tu vê vários outros aviões. e guarulhos é um prato cheio, tem de tudo. e enquanto o meu boeing 737-300 da webjet corria na pista, olhando os aviões estacionados, eu descobri que olhar para um ponto fixo não muito distante dá um frio na barriga violento. não por menos, eu fiquei meio abobado olhando o litoral paranaense/catarinense lá de cima.

eu voei pela primeira vez aos 3 meses de idade, vindo para o brasil. deve ter sido um inferno pra quem tava perto de mim, mas o fato é que avião é uma coisa que sempre me fascinou. quando eu era pequeno e vinha a porto alegre, ir ao aeroporto era a mesma coisa que ir ao zoológico - com a vantagem de ser muito mais perto. meu pai me levava ao salgado filho só pra olhar avião.

da mesma forma, tenho tesão em voar. decolagem e aterrissagem, pra mim, são um deleite. não vejo a menor graça em voo sem turbulência. pra ter graça, tem que chacoalhar um pouquinho. e, curiosamente, esse é um dos momentos em que eu mais relaxo durante um voo. é como um berço. e isso que eu já peguei turbulência das brabas.

e aterrissar em são paulo, especialmente em congonhas, é uma emoção à parte. é um pouco perturbador quando tu te dá conta que a tua sombra nos prédios já é quase do tamanho do próprio avião. chegando em guarulhos na sexta, em compensação, pela primeira vez eu tive um pouco de medo: eu já via as luzes da pista em detalhes passando rapidamente embaixo do avião e o piloto ainda nivelava. tenho certeza que a roda esquerda tocou a pista primeiro.

aqui termina o post que eu pensei em escrever ontem. e continua o que eu não queria. tudo isso faz parte da diversão. mas uma merda como essa da air france, hoje, me deixa com uma sensação de me satisfazer de um prazer meio mórbido, me dá uma culpa que eu não deveria ter.

***

o márcio, mais uma das minhas tantas despedidas do ano, foi fazer doutorado na frança e voou pra guarulhos na outra sexta, ainda, saindo de porto alegre duas horas antes de mim. cheguei na capital paulista meia hora depois dele decolar num air france rumo a paris.

ir a são paulo duas vezes em 9 dias foi uma quebra de rotina meio violenta. em duas sextas-feiras seguidas, eu segui exatamente o mesmo roteiro: webjet POA-Guarulhos às 17:45, airport bus service até congonhas, taxi até o hotel na vila mariana. o mesmo hotel nas duas vezes, só mudou o quarto. e fazendo um bate-volta, o esquema cansa e a cabeça às vezes confunde o pouco. foi tudo tão repetido entre a primeira e a segunda ida que parece que eu só fui uma vez e que o márcio não foi na sexta retrasada, mas sim na última sexta.

por isso, quando veio a notícia hoje de manhã, por meio segundo eu me senti suspenso no ar com a cabeça tão cheia de pensamentos ruins ao mesmo tempo que foi como se ela estivesse exatamente o contrário: totalmente vazia. até que eu lembrei que ele tinha ido no outro fim de semana, já tinha mandado emails, falado comigo no msn e postado fotos de paris no orkut.

senti meus pés no chão de novo. infelizmente, outros que, como eu, ficaram no brasil, talvez fiquem pra sempre com os pés suspensos, presos no A330 da air france.

***

mas a questão é: como viver com medo de morrer? ou como viver sem viver? nunca mais pegar um avião? nunca mais sair na rua? claro que não.
não vai acabar com o meu prazer de voar mas, ao menos momentaneamente, estragou todas aquelas coisas que eu senti ontem, bem instalado na poltrona, comendo um sanduíche e olhando as ondas imóveis no mar.